terça-feira, 7 de abril de 2009

HERANÇA

Voluntariamente, algumas heranças não podemos recusar, dentre elas as genéticas. Estas ainda não podemos - já conscientes e nascidos - manipular ou retirar. Imagine alguém a escolher: "não quero aquele olho azul piscina, quero o verde-semáforo de vovó!", não dá mesmo.

Já outras heranças nós podemos nos negar a receber, ou, em recebendo, negar-se a perpetrar. Eu falo da herança educativa que recebemos dos nossos pais. Fica até difícil, né? Como é penoso se livrar de algo que você cresceu ouvindo ser o certo!

Essa reflexão me tomou no ônibus, quando eu vinha de Castro City e numa das infinitas paradas vi uma mãe e seus misérrimos, numerosos e famintos filhos. Filhos empencados em filhos; filhas que tomavam conta do papel de sua mãe, meninos chorosos, saudosos porque a mãe pegava o ônibus. Eu vi a mãe se despedir e vi uma mocinha [já tomando para si a ação de uma mulher] com um irmão mais novo no colo. A criança berrava. A menina com toda impaciência fazia a criança calar com o que sabia: aos tapas. Ela recebeu essa heraça de sua mãe e a passaria, possivelmente, aos seus menores irmãos e futuros filhos...

Essa herança vem do flagelo da fome, vem do castigo da seca, vem do meio escaldante, infernal, paupérrimo. Vem de pessoas que sabem ser bichos porque, na verdade, não tiveram mais opções. Tornaram-se cactus e furar, para eles, é bem natural - é o que sabem fazer. Endureceram antes de amadurecer. Doeu em mim ver seres humanos embalados pela natureza local e sem tanta distinção dos bichos que pastavam magros em pasto próximo.

Eu fiquei pensando como eles poderiam se livrar de ter aos calcanhares uma herança tão seca! E pensei em mim, no que eu tenho, no que eu sou, na educação que recebi de meus pais [que são superprotetores], no papel e nos papéis que desempenho na vida e multipliquei pensamentos de comparação ao infinito... Também pensei em meus amigos, nos conhecidos e em suas vidas e vi o paradoxo se encontrando num choque tremendo! Eu vi duas pontas da ferradura se encontrando: enquanto aqueles seres se tornaram duros pela herança que receberam de seus pais e da natureza do meio em que viviam, muitos dos que eu conheço se tornaram frágeis criaturas pela facilidade aleijadora que receberam como herança!

Aquelas meninas carregavam seus irmãos e iriam cozinhar o que tivessem para matar a fome dos seus enquanto sua mãe viajava; os outros eram carregados no colo e recebiam na boca o que comer, engordavam, se esparramavam nas poltronas e ficavam no ar-condicionado.

Pensei que o excesso da coragem e a falta dela podem aleijar. A virtude continua lá: no caminho do meio!

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