domingo, 20 de junho de 2010

BRASILÓIDES

Um bicho que aparece de 4 em 4 anos. Tem plumagem geralmente verde e amarela, pode ter tons azuis e penas brancas formando variados desenhos. É muito raro ver algum indivíduo dessa espécie durante todo o ano no Brasil. Sua aparição coincide com a época da Copa. No exterior estão sempre em bando e se juntam frequentemente no brazilian's day lá em Nova York.
O seu canto chega a ser ensurdecedor. Quando um grita, todos acompanham usando o próprio aparelho fonador ou com auxílio irritante de um troço denominado vuvuzela. As fêmeas desta espécie, às vezes, nem sabem porque estão gritando, mas se os machos comemoraram, por que vão ficar de fora? Sobre os que as faz gritar, elas só falam de 4 em 4 anos também. Os machos não... estes mudam a plumagem durante todo o ano e esta varia: preto e vermelho; azul, branco e vermelho; preto e branco; preto, branco e vermelho; verde e vermelho... varia muito e por isso quase não podemos chamá-los de brasilóides na época em que sua plumagem se encontra modificada. Fazem barulho o ano todo.

Se alimentam de amendoim, batata-frita, carne do sol, aipim fritinho, petiscos em geral. E bebem um líquido amarelo, amargo e com moderado teor alcóolico. Todos: macho e fêmeas da espécie.

Os indivíduos estão quase sempre agrupados em bares, sacadas, casas de outros do bando que possuem televisão de plasma de muitas polegadas ou em lajes mesmo, tanto faz... a graça é gritar junto!

E vamos combinar: eita bichinhos que se reproduzem, viu? De 4 em 4 anos estes bichos aumentam a prole numa velocidade...! Ainda que outras circunstâncias emergentes os cerquem, é "de lei" estes pássaros irem brincar no ninho. Pode ter o escândalo que for, político ou não, aumento do salário dos políticos, guerra, mensalão... de 4 em 4 anos os bichos se reúnem nos espaços supracitados para gritar, beber o líquido amarelo, dançar, cantar e paquerar. O brasilóide fêmea enfeita ainda mais a plumagem, estiliza o corte das penas, pinta as unhas de verde e amarelo, enquanto o brasilóide macho não varia em quase nada: as mesmas penas de sempre. Mas é isso mesmo, eles se entendem!

Quando passa este período os brasilóides se espalham no próprio país, entram numa espécie de torpor de memória, esquecem quem são. Dizem eles que "não desistem nunca", mas tenho certeza que é para manter a espécie viva, vendo tv e gritando de 4 em 4 anos todos de plumas verde e amarela. Que espetáculo seria se a plumagem durasse o ano inteiro, hein? Os brasilóides virando brasileiros!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

NINGUÉM SENTE INVEJA

Querendo o que os olhos dos outros vêem todos os dias. Querendo o que você tem e eu não. Querendo você e eu não. No ar que respiram há mais oxigênio que no meu e eu suspiro mais que os outros – enquanto eles transpiram!
Mais abraços ali, mais aconchegos acolá, mais risos em outras bocas e eu longe disso... todos espalham merecimentos onde eu não estou! Assim não vale! Não vale a pena mesmo!
Há mais mulatas em seu samba, mais estrelas em outros céus, mais gotas na água do chuveiro do vizinho, mais sol na janela do outro apartamento, mais frio em meu quarto, mais cinemas em seu bairro, mais esmalte em suas unhas...
Quero mais brincar disso não! Você sempre ganha mais brinquedos que eu... Cansei de brincar!
Distraída querendo o que não posso, esqueço o que tenho! Minha inveja me matando e eu nem vendo...

domingo, 13 de junho de 2010

ESTANQUE FLUIDEZ.

De pé a escultura precisou do barro duro e a água mole para se firmar.

O pó de argila que agora é lama se deixa moldar para nascer a forma.

A mulher que triste chora, deixa sua lágrima misturar com o pó da face maquiada.

Precisou não ser mais amada, para descobrir a forma que nasce da dor.

Duas listras na face multicolor.

O chão seco, com a garganta aberta e rachada, grita rouco para o céu – chora!

Os castelos de areia pedem ao mar – vai embora!

Dureza e moleza não dizem nada sem que estejam no lugar.


{Dedicado ao professor Roberto}

sábado, 12 de junho de 2010

PEGA, LADRÃO.

Se nasceu com o coração atrás de um tampo de vidro,

não adianta negar que ele te arde.

Embora seja duro esconder essa parte,

alguém vai partir este teu amigo.

Uma vez ele exposto desde o teu nascimento,

todos sabem o que vai nele, então.

Se não te arrancam todo o coração,

feri-lo é só questão de tempo.

Pode pular, se debater de medo agora;

antes mesmo que te arranquem a cabeça.

Não há fuga, nem nada que impeça,

quando, enfim, chegar a tua hora.

Vais querer impedir tamanho sofrimento,

fugir do que te faz amar.

Mas ele te vão roubar,

e tu vais assentir sem consentimento.

Estará ele não mais na vitrine,

mas nas barracas sujas de uma feira.

Verás a tua melhor parte inteira,

cortada e jogada num cesto de vime.

E lá todo partido o órgão,

sorrirá contente de volta.

Atravessaste de uma vez a porta

daqueles que amam sem noção.

Quebraram todo vidro e toda regra,

abriram ali um vão.

Levaram-te todo o coração,

estraçalharam o tampo à pedra!


quarta-feira, 9 de junho de 2010

O QUE FAÇO COM VOCÊ?

Brincando de saudades e inventando um querer bem que não tem, não dá para ligar de noite e te chamar de meu bem. Nem posso encaixar pronomes possessivos ao falar de ti no meio de minha fala. Eu sei que você existe, mas e daí? Nada mudou. Não há brilho a mais na manhã, horas a menos na noite, não rolo na cama, não suspiro quando viajo, nem minha voz embarga de emoção. Não mudo o caminho para te ver, não bate vontade de gastar créditos do celular; ganhei uma coisa e não te conto, para que você quer mesmo saber? Nem vai torcer. Então, o que faço com você?

Você está doente? Melhoras! Não faço chazinho, carinho, denguinho e outros inhos que a doença traz. Vai se mudar de cidade? Escolhe um bairro onde tudo é perto. Não faço cena, não me jogo no chão, nem dói o coração porque não vou te ver. Então, o que faço com você?

Não é que eu te quero mal, não é que eu não te queira, não é isso! É que você existe, eu sei, mas não soma nem subtrai, não multiplica nem divide, como vou contabilizar você em minha vida se a gente faz de conta que conta um com o outro? Você me liga ou eu te procuro e a gente se encontra no escuro, na esquina, nas quebradas e nada do que dizemos se põe num grande vão onde se deposita o futuro – é só ali, de passagem, sorrateiros, bifurcados, historinha que ninguém crê. Então, o que faço com você?

Bote fé, aliás, não bote não porque posso mudar de opinião e você esperar sem necessidade. De mim nada espere além do bem que faço a todos sem especialidade. Seu aniversário é uma data e não um acontecimento, mas deixa comigo que listarei este evento no Orkut e se der eu apareço. Jamais dividiremos uma pizza, nem lençóis, nem uma janela, nem um par de ingressos, nem a alegria de nenhum dos dois: o meu é meu, o seu é seu e o nós não conjuga o verbo ser. Se isso tudo é verdade, se não há dor, não tem saudade, me diga - por caridade - o que eu faço com você?


{Ficção}