Há tempos não sou mais a mesma. E tenho quase certeza de que isso não é ruim. Pode ser para alguns que não mais me reconhecem, porque vejo no rosto de amigos de adolescência a muda questão: "quem é essa?". Não posso dizer que perdi-me por completo daquela que fui, num tempo que meus padrões eram os mesmos de muita gente de minha idade, mas jamais só meus [ou parcialmente com minhas digitais]. Não posso dizer que a metamorfose se deu sob o anestésico da amnésia dos meus erros bobos ou outros erros. Convivo hoje com a lembrança toda de quem fui, mas confesso não mais ter pesares por escolhas ditas malfeitas, malditas por olhos sempre alheios, nunca os de meu próprio peito.
Olho em meu olho e sinto nascerem rugas, mas isso porque estou sorrindo. Não cheguei ainda à fase em que as rugas aparecem sem que eu mexa um poro da face; não anseio que ela chegue, não retardo, porém, seus passos. Tenho dito menos "e se...", porque vivi em maus lençóis tentando costurar os trapos das impossibilidades - não há dinamismo de passado. As únicas coisas que dinamizam o que foi é o perdão e o auto-perdão. Eles não mudam nada, mas mudam o ângulo e isso faz uma diferença brutal nesse nosso mundo tridimensional.
Sou fruto dos meus descaminhos e penso serem todos eles mais caminhos que fugas, pois não existem atalhos de si mesmo. Tudo o que fiz foi para meu próprio bem, mas também sei que há bens que duram como fogos de reveillon. Hoje não queimo mais minhas vontades assim. Quando posso, faço incêndios; quando não, acendo um fósforo. Entretanto decidi não ficar mais sem nenhum ponto de luz à mão. A escuridão da não-ação, da não-força, do não-passo pode ser mais perigoso que andar e cair.
Das prisões invisíveis, as grades são minhas mãos.
E senti que nunca deu para ser só risos de mim, só lágrimas de mim. Sou é forjada de argila molhada: um pouco de terra, um tanto de água e nunca seco para não correr o risco de virar estilhaços. Vou me dando a forma que posso e um dia abandono de vez a forma [fôrma] para nunca mais pertencer aos olhos. Ser para sempre tato.