quinta-feira, 24 de novembro de 2011

DO SHORT AO JALECO

Todo mundo sabe o que é uma piriguete, né? Sobretudo depois que Ivete Sangalo disseminou o adjetivo para todo o Brasil, até novela da Globo incluiu a alcunha nas falas ofensivas de seus personagens. E todo mundo sabe que a piriguete, para ser uma que valha merecer o título, deve fingir que está vestida. Piriguete que se dê o respeito [?] desconhece estações do ano - no verão usa short-tapa-sexo, blusa-tapa-bico-do-peito e sandália de salto altíssimo; no restante das estações, também. Tanto é, meus caros, que quando alguém está pouco vestido num frio de causar hipotermia, diz-se que a pessoa tem "couro de piriguete", uma vez que esta esnoba temperaturas abaixo de 0º C. 
Pode ter [e como tem!] piriguetes em qualquer classe social, mas percebemos que as classes menos abastadas foram berço deste ser de poucas vestes; não por falta do que se cobrir, pois se fosse o caso, eu não estaria escrevendo uma linha a respeito da "piri" [abreviação, tantas vezes carinhosa, de piriguete]. Entretanto, piriguete é também um estilo de vida, um jeito de ser, uma filosofia comportamental, um diabo desses! Onde menos esperamos, na Suíça, na Groenlândia, no Natal de NY... a piriguete crava sua presença e salto e diz ao que veio: dá mole para tudo - homem, mulher, poste, hidrante... qualquer coisa. O negócio é mostrar que vestindo quase nada, dá pra pegar quase tudo. A graça é se destacar pelo o que [pouco] veste.
Na contramão da piriguete, tenho percebido um outro tipo de ser, que ao contrário da piri, não vem de classes pobres, em sua maioria. Essa entidade urbana também chama atenção por suas vestes, ou melhor, pela única veste que lhe classifica: o jaleco. Com o aumento das faculdades de medicina, com o apreço endêmico pela área de saúde, o portador de jalecos está em toda parte: nas ruas, nos ônibus, nos shoppings... e creio que até na balada um dia haverá o jalecoso a pompar seu jaleco depois de um plantão - ou no meio dele. 
O problema maior é que o status contamina, do mesmo modo que os micro-organismos moradores do jaleco. A pessoa ganha um "dr" no nome e já passa a fardar a tal vestimenta com um carinho, um amor que nem pensa em tirá-la quando sai dos hospitais, clínicas e afins ou só colocá-la quando adentra nestes locais citados.
Amigos, tal qual a piriguete, o jalecoso desconhece estações do ano. Pode estar o calor luciferiano, olha a criatura de óculos escuros, chaves do carro, estetoscópio ornando o pescoço e o que mais? O jaleco! 30º C? Jaleco por cima. 38º C? Morto, mas garboso com o jaleco por cima de tudo, inclusive a saúde dos outros.
Ambos necessitam chamar a atenção - um pelo pouco e outro pelo excesso. E eu fico sonhando com a equação que equilibre e vista a piriguete com o pano que sobra dos jalecos dos doutores.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

"EU ABRO A PORTA PARA ESTRANHOS"*

Eu sou pisciana e nem me peçam para gostar dos certos. Eu quero os loucos, os varridos, os banidos. Amo os excêntricos, os anormais, os jogados fora, os doentes. Os sãos não são sós. Há montes deles por aí e eu quero catar os perdidos. Gosto dos abalizados, extraviados, lunáticos - pinçá-los no calabouço da normalidade. 

Sou das águas, sou bruxa e morro queimada, mas não deixo de seguir minha intuição. Sinto o cheiro dos feridos e me porto como abrigo pra curar a podridão. Não temo os leprosos, oro pelos criminosos e creio que todos tem perdão. A mesmice me incomoda e eu não quero morar com o espelho, pois é inequívoco erro achar que amparo é para os bons. Amparo é para os caídos, é pra quem se encontra sem abrigo, sem luz, sem chão! Por isso que busco os tortos - os quebrados pelo mundo - o remédio é para o imundo que no mundo perdeu-se em dor, no mar dos preconceitos e afogou-se como suspeito de ter sido pecador.

Se há algo que me chama a atenção é ver um cabelo colorido, e por trás de um corpo florido, tatuado e multicor, que gente é bicho esquisito e basta o outro mudar de apito que já é índio de outro andor. Cor, cocá, colar, toga, batina, saia, piercing, biquine, sarongue, tafetá é só um jeito de mudar a mesma apresentação.  

Sou pisciana e me meto no mundo, mas prefiro os que ficam de lado e deixo aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos-sãos.

*[trecho da música "Tudo pela metade" de Marisa Monte]

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

CARTA PARA MINHA TIA

Oi Tia Sônia,

Como estão as coisas aí? Saudades imensas! Você e suas maneiras fazem falta, sabia? Sabia, né? Você deve ter visto o vídeo que Carine fez para você e que também fez todo mundo chorar. Coisas de Carine – ela junta os sentimentos e depois larga uma bomba. Depois desse vídeo eu resolvi te escrever uma carta. Sempre penso muito em você, sempre lembro o jeito que você me chama [Samoquita] e ainda sinto ciúmes porque você prefere Dai. Nem adianta negar, viu tia Sônia?! Todo mundo prefere Dai, mas eu sei que as pessoas me amam do jeito que sou e com você não é diferente: seu amor por mim e meus irmãos sempre foi inegável e sobreviveu a anos de distância física... continua sobrevivendo, eu sei.
Eu queria ter dito mais vezes que te amo. Até chego a lembrar dos murritos, besliquitos e mordidas com certo saudosismo. Isso me faz pensar que certas dores da vida são muito pequenas perto da dor de não poder abraçar a quem se ama. Mas o que estou dizendo? A gente se abraça muitas vezes!!!  Mesmo depois de sua viagem, eu sei que você volta e abraça a cada um de nós. Briga com uns, bate palmas para outros, puxa um pela orelha, dá conselhos a outros, segue cuidando dos que ama. E a gente vai se virando por aqui até chegar o Natal em que aquela sua “arvorona” será armada na sala de sua nova casa e estaremos todos lá.
Será que você ainda briga com Sheik e Ringo quando eles se pegam na briga? Vixe, tia Sônia, deve ter uma galera de cachorro pra você cuidar, né? Paloma, Dalila, Sheik, Ringo e outros que nem sei o nome. Tem Lolita e Dhust que também devem estar em sua casa. Eu falo como se a única coisa que você faz aí é cuidar de cachorro. Duvido. E as rosas brancas? E as outras flores? E os demais amores, né? Existe muita novidade que a gente aqui nem sonha. Ou sonha? Rs
Eu guardo os vestidos que você me deu, as blusas, as coisas todas como uma bobona agarrada a evidências materiais da sua lembrança. Sei que tudo isso é dispensável, mas você sabe que cada uma destas coisas é a materialidade de meu amor.
Eu não gostei que sua viagem foi perto de meu aniversário, mas acredito que a passagem estava marcada por gente bem maior que a gente e não é justo questionar; hoje eu sei que você é feliz e os hamsters nem devem mais existir, né? Essa é uma lembrança que me faz gargalhar sempre! E o bolo de algodão com álcool: “nãaaaaaaaaaoooo Sâmia!!! Isso tudo, minha filha?”. Sem contar que quando eu ia dormir nas “horas mortas” era motivo de falação eterna. Hoje vou dormir mais cedo para te encontrar.
Vou parar por aqui. Não sei como o Correio te entregará esta carta, mas tenho certeza de que ela lhe chegará nas mãos. Minha lembrança não é só alimentada de saudades – é lavada de certezas. Te amo e sempre te amarei e muito obrigada por ter sempre sido a tia-mãe de Priminho, Samoquita e [ôooo]Dai.


Sâmia.

P.s.: Eis o vídeo:

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

CHOVEU

Nem o céu, nem as estrelas - somente chuva e vento frio.
O mar cheio de nesgas - barcos ancorados no vazio.

Nem o sol, nem a lua - nuvens entapetando o céu.
Sem luz, visão turva - dia enlutado num véu.

Nem carta, nem avisos - pedestres escondidos em casa.
Sem óculos e livros - não se vê mais nada.

Nem fotos, nem fatos - o presente que vaga vão.
Encontro-me no ponto exato - d'onde miro a solidão.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

DIA DESSES, NO BAR...

_ Hey Tchonga, beleza parcêro?

_ Beleza, meu véi! Cês tão falando de que aê?

[Tchuplá - dá uma tapa na mesa de ferro do bar]

_ Oxen, miséra... paquê isso? Quer chamar atenção, pinta as cores do Vicetória nos peito e vai ver o jogo do Bahêa em Pituaçu, pai...
_ Foi mau...

_ Além da vida dos outros, a gente tá falando de como falar da vida dos outros! rsrsrsrsr

_ E quem num fala...? 

_ Rapazzzzz... taí, boa pergunta!

_ Diz aí, Traçado, se a gente tudo fosse jornalista, até ganhava pra falá da vida duzôto, né não pai?

_ Negoçu gostoso é a disgrama da fofoca: você começa a comentar, sem maldade niúma, niúma, niúma, quando vê, já tá lá dando os veredicto nas briga de casal; quem chifrou quem, quem virou pras outras banda de lá ele lá... é só começar até a língua entortar.

_ Eu é que não gosto dessascoisa! - abriu a boca, o tal de Nicuri - Pá mim, vida du zôto é vida du zôto e o nome já diz.

[Gar-ga-lha-da geral]

_U que, Nicuri?! Intão cê tá querendo dizer aqui, na cara da gente, que tu num gosta da vida duzôtro?

_ É sim... eu não gosto dessas coisa de ficar falando pelas costa, falando mal, comentando, num sei quê... 

_ Oxe, peraí que eu quero ouvir essa novidade! - Chegou Fedô de Sunga com a mão no queixo e o braço por cima do outro - então você virou crente, né? Mas foi de ontem pra hoje, num foi?

_ Eu quero é ver quem é esse homi todo aqui que vai me dizer, jurando por de cima da fita do Senhô do Bonfim, que nunca falou da vida de seu ninguém, viu?! De seu ninguém papá!  - Gritou no mêi do bar, Traçado.

_ Pois eu acho um absurdo esses negócios de disse-me-disse.

_ Acha nada! Se achasse mesmo não tava se juntando com Zói pra falar que Dona Pina gosta de roubar nos pastel, né não? Por acaso você tem prova, véi? Dona Pina é rica pra tá botanu 5 quilo de camarão dentu da miséra do pastel?!

_ Ah... mas eu falei dela porque ela gosta de tirar vantagem mermo. Ontem mermo eu soube que ela disse a seu Vivi que...

_ E quem te contou isso? Tu soube como? Tava falando com quem??? Tá venu, tá venu? Ninguém escapa não!

_ Mas ela falou de mim primeiro!

_ Conta ôta, pá cima de ôto, Nicuri! Falá mal dos outros, porque os outros falou mal da gente não é falar mal, né? 

_ Chega lá e abre! Joga a merda no ventilador, não é porque mudou a modalidade de falá mal, que num é falá mal. - gritou Tchonga.

_ Oxi..., Dona Pina disse que eu gosto de pegar as coisa fiado e num pagá. Onde é que ela viu isso?!

_ Deve ter lido no caderninho que ela tem anotado, né não? uhauhauhauha - Riu-se Fedô de Sunga.

_ E aquela malinducada, anafabéta, sabe escrever?

_ Hum... já saquei a coledemermo... tá murdido porque tá sem razão!

_ E o sinhô, acha o que Piloto? - perguntou Tchonga ao dono do bar.

Piloto, que até então estava calado, respondeu:

_ Eu não acho é nada! Nessas coisa é melhor nem começar. Vocês que são entendido, que se entenda!

_ Taí, um cara que sabe das coisa!


P.s.: Qualquer semelhança é mera coincidência?
P.s2: Imaginem as falas do jeito que a galera de "Ó pái, ó" faz.
P.s.3: Os erros gramaticais e afins são propositais. Se não for, no meio de tudo isso, vocês nem vão desconfiar.
P.s.4: Ah... ria, vá! Você também fala um pouquinho da vida dos outros!