E se eu fosse diferente? E se meu rosto tivesse outros
traços e meu coração outros medos? E se eu fosse indecente? E se minha honra
fosse muda e minha consciência ausente? Se eu fosse assim, eu seria outra e não
veria o que sou de mim. Se eu fosse avessa, torta e prepotente eu pertenceria –
com toda certeza – a outra classe de gente. Estaria classificada, com etiqueta
e tudo, a viver na prateleira de um outro grupo no mundo – não o meu.
O meu grupo é da raça dos que são coração mole. Eu sou da
laia dos que não tem um bom cartão de memória: não guardo muita coisa, tenho a
alma “bugada” e já arrastei corrente, mas evito guardar mágoa. Eu sou um pombo
de praça: carrego meus micróbios, não sou exuberante, como qualquer bobagem,
mas adoro estar perto de gente. Apesar de gente ser bicho estranho, que não
controla a própria mente!
Mas se eu fosse de outra espécie mais pomposa, que vivesse
numa gaiola em meio à calmaria, talvez eu não comesse alpiste e me alimentasse
de iguarias. Teria um estômago seleto e um cocho repleto de coisas apetitosas,
que nenhum pombo sonharia. E eu lá saberia viver assim? E aqueles que se
orgulham de mim? Para eles eu não sou um bicho tosco que carrega na asa um tom
pastel e para mim mesma eu sou bicho de moela forte que não deixa de migrar pro
norte e se prender na linha de qualquer carretel.
Aprendi que não posso mais voar para trás e não posso ter
outra face: sou esse pássaro anônimo que ama a própria classe.