Não desejo que meu coração se reagregue, porque estou ferida e sei que isso é meu. Não há culpados, nem desordeiros que avançaram sobre as tendas empoeiradas e derrubaram tudo; eles vivem como sabem - eu expus o que tenho. Fui eu, na vã escolha do passado, que optei por morar no deserto. Exilei-me dos ventos do litoral, exilei-me da segurança dos barcos ancorados e fui ter com mar bravio. Depois dele, só deserto. Nada de mar e rio, a não ser o peito - correndo em leito salgado.
Os vasos caídos, os cacos nascidos e mais uma vez a cola retorna às minhas mãos tentando reaver com arte a parte que sobra do meu coração. E parece que ele sempre sobra. Por isso desisto de colá-lo e irei deixá-lo nos pés do deserto, bebendo da areia que chove dos montes movediços e cantantes que vejo de perto. Tudo que crio aqui se esvai e esta parte que o deserto me subtrai não faz falta nas futuras canções.
Melhor outro dia ter um novo vaso e este quebra agonizante, abraçado à dor uivante de ter morado no castelo pisado por bandoleiros. O que levo aqui comigo é outra coisa, outro abrigo que oferto ao mais corajoso, destemido beduíno. Não é nenhuma riqueza, nada que os salteadores tenham me levado. Não reluz como ouro, não compra comida e casa e não pode ser vendido, vilipendiado ou ferido. É o conteúdo dos vasos quebrados: água de esperança. E o coração que permaneça partido e que o tempo o corroa, transforme-o em areia; que o vento o leve e ele volte aos pés do mar em que estava antes de morar nas areias de tão ingrato deserto.