É bem bom pensar que é criança e esquecer os medos de agora,
só lembrar os da infância. Os de outrora traziam consigo aquela inocência e
sumiam quando a luz se acendia. Os de hoje não respeitam as regras, as luzes
acesas, o colo da mãe, os cobertores – nada. Eles não se escondem atrás da
porta, debaixo da cama, nos vãos das escadas. São medos ousados, sem
escrúpulos, sem precedentes.
Mas quando finjo que sou criança, os medos não vão embora:
eles zombam de mim. Dão na minha cara, como nos porões de 64 e atormentam as
esperanças, as crenças, meus calcanhares. Pisam em minhas birras, esfregam-me a
fuça na realidade.
E assim mesmo, no medo, eu afirmo que um ser sem temor perde
o equilíbrio e engatinha pro quarto escuro, enfia os dedos nas tomadas, sobe no
poste e pousa nos fios de alta tensão. Um ser que não teme qualquer coisa está
em perigo, mas ter medo de tudo é correr o risco de viver sob a proteção da
inércia. E o que fazer com o medo? Não sei. Talvez esperar a madrugada passar –
a qualquer tempo, em qualquer fase, quando a madrugada passa é hora de se
levantar.
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