E há o mar. Há aquele
rugir das ondas, mordendo as areias da praia. E há o mar ronronando ao pôr do
sol, negando quem é – ou vestindo-se de outros sais. Enroscado nos novelos d’água,
há mares de pó, sedimentados na Terra Coração. E quem dirá que é água ou terra
a natureza do mar? Fundo e superfície são faces de um mesmo ser.
Não pode ser que haja lógica em querer permanecer em
calmaria, quando o dia anuvia-se de negro, quando o vento uivando nos ouvidos,
faz dos cabelos navalhas nos olhos e o céu chora de tristeza, perfurado de trovões.
Aí o mar explode, aí a água entra em guerra e cospe para longe os mais bravos
guerreiros ou os incautos marinheiros que ousam lhe tocar as costas. E todos
temem o mar, e todos julgam o mar, e todos buscam as bancadas de areia, fugindo
da liquidez assassina. E o mar ergue seus braços mais alto e abraça o céu...
Quando passa, o vento lambe o mar, a onda faz amor com a
areia, o mar, engravidado de sereias, volta ao seu lugar. A paz canta nas
pequenas conchas, o céu enxuga as lágrimas nas coxas das nuvens e ele, todo
dengoso, mia em ondas baixinhas. E correm seus admiradores para seus braços! E
vinga a poesia, a melodia, as mais lindas canções. O mar é um amigo, cobertor
dos amantes, que inconvenientes se abraçam de corpo todo sob suas águas e se
embalam junto com suas ondas. “Ai, mar, eu te amo! Sua existência me inspira!”,
dizem os elegantes. O mar responde, pensando incompreendido, “jamais quis ser
paisagem num postal”. Porque sabe o mar que para ser inteiro é preciso ser todo
e talvez o tolo não consiga compreender, que só mergulhado, aberto e constante
é que se avança em sua natureza.
Por isso que na hora da tormenta, no momento da solidão,
quando bravo se encontra, o mar corre
pro céu, pois só ele lhe vê inteiro e sabe de seus segredos, sem jamais ocupar
o seu lugar. Não foje do mar, o céu. Não condena sua revolta. E espera, sem nenhuma porta, que tudo se transforme. Depois... depois os dois se casam em azul, num dia luminoso e só eles é que sabem porque dividem a mesma cor.
{aos olhos de mar que miram minha alma}
{aos olhos de mar que miram minha alma}