quarta-feira, 30 de março de 2011

BEIJO X CHEIRO



Cheiro é melhor que beijo. Semana passada recebi um cheiro no cabelo, dado por meu pai. Sensação inenarrável de amor. Ele me deu um cheiro e logo depois deu um cheirinho igual em minha irmã. E minha infância veio galopando destrambelhada e se jogou em minha frente. Meu pai foi delicado, imparcial e grato ao amor que eu e minha irmã lhe devotamos. Sempre ele nos acolheu. Faço esse texto entre lágrimas lembrando que, antes de voltar novamente ao trabalho, ele nos colocava entre suas pernas, uma para cada uma, e nos contava histórias inventadas por ele mesmo. A gente pedia "painho, não vai trabalhar não" e ele dizia que precisava voltar ao hospital, mas antes nos colocava pra dormir. Quando acordávamos, ele já tinha ido.
Meu pai é uma figura. Não qualquer uma. Ele é o herói da minha vida. Nos ensinou tantas coisas e dentre elas, capoeira com a cadeira da cozinha. Ou então corrida de animais, em que eu ganhava sempre porque convencia meus irmãos a escolherem bichos como minhoca e tartaruga. E fazia mímica e eu ganhava porque era muito boa nisso - ele diz que até hoje eu sou e como não acreditar no melhor homem do mundo?
Ele soube se reinventar e me responder à altura todas as mudanças por que passei também. Quando perdi a virgindade ele me disse que eu sou uma mulher biologicamente igual a todas, que eu não chorasse de vergonha, pois tinha a ele e a minha mãe. Isso porque alguém contou para ele esse fato. Quando fiquei grávida aos 17 anos, ele me disse que eu não estaria sozinha, porque eu tinha um pai. Disse-me isso arrepiado, logo ele que não é um pai meloso. Ele me ouvia desde os 15 anos, ponderava minhas considerações e elaborava o meu vocabulário consertando meus erros e premiando meus acertos. Eu fiz todas as coisas por ele e até hoje eu faço. Porque ao fim recebo o prêmio de ouvir: "você é igualzinha a seu pai". Um Homem e por isso honrado, íntegro. Nunca me envergonhei de meu pai. Não que me lembre.
Quando ele deitava em meu colo e eu nem 10 anos tinha, sua cabeça pesada doía um pouco em minhas pernas, mas meu orgulho era anestésico. Eu aproveitava para pegar meu giz de cera azul marinho e pintar sua barba por fazer. Eu via todo homem assim e achava que vinha dali aquela coloração azulada. Ele nem via. Ou então eu ia velar seu sono, mas pegava a lixa de unha de mainha e lixava os cabelos da perna dele. Só se sentia o cheiro de cabelo queimado no quarto. Meu pai é careca e não tinha como pentear seus cabelos, então eu penteava seus cabelos do sovaco, da barriga, das pernas e dizia que eles deveriam todos estar concentrados na cabeça, pois seria mais fácil. Eu cortava as bolhas dos seus pés, tentava cortar suas unhas e um dia ele me deixou fazer sua barba! Deu seu rosto para mim sem medo. Hoje ele faz tudo isso com minha filha que o tem como pai. E quem não gostaria de ter?
Em 2007 o meu herói teve que fazer uma revascularização no miocárdio e eu morri de medo de não ouvir mais seu coração bater. Antes de entrar na sala de cirurgia ele pediu a Deus viver para continuar cuidando da gente. Passou 20 dias no hospital e eu estava todos dias lá. Quando fui vê-lo na UTI ele me disse: "você conseguiu, hein?", eu respondi: "você também!" e chorei. Calada, chorei vendo o meu herói depois de uma árdua batalha, vencer mais uma. Quando ele voltou para casa, eu e somente eu, fazia seu curativo. Não queria que mais ninguém tomasse o papel que aprendi desde pequena a ser: a sua enfermeira. Ele sempre disse que eu seria enfermeira, mas não sou. O máximo que fiz foi me tornar técnica em Radiologia e certamente tentar agradar meu paizão. Depois disso parti para me agradar e estou cursando Serviço Social. E ele diz a todos, como muito orgulho, que terá uma filha assistente social.
Há alguns dias fiz 30 anos e ele me deixou um recado no facebook: "Escrever sobre vc torna-se dificil, principalmente como seu pai, por que para verbalizar as coisas inerentes à essência preciso de um neologismo para aproximar deste Ser q está filha, amiga, companheira; é o Verbo SENTIMENTAR, que conjugado na 1a. pessoa do plural (ind. .Pres.) traduz em Amor. Sorry Aurelio mas 16 de Março...(a essência é Atemporal) é very Important e culpada é SÂMIA. Para Bens de Todos e Felicidade Idem, Fique por muito Tempo." Fiz algumas correções, porque meu pai não entende bem dessas coisas, mas, como não poderia deixar de ser, se joga nelas mesmo assim.
Eu o amo na profundidade de um cheiro que transpõe para dentro da gente o ser que amamos. E meu pai jamais deixará de estar sob minhas retinas como o cara da foto envelhecida que carrega sua primeira filha nos braços e simplesmente sorri. E é por isso que cheiro é melhor que beijo.

terça-feira, 29 de março de 2011

VEJA SE NÃO É.

Fineza. Sempre tem uma palavra que entrava, né não? Tem palavra que é anasalisada de tal forma que o nariz coça. Tem palavra que me lembra uma cobra falando e se cobra falasse seria daquele jeito: fineza. Mas esta palavra - fineza - não me incomoda só pelo som. Tem algo mais que ela esconde que me dá nos nervos. Nem deveria, né? Que coisa maravilhosa a fineza [e hoje sob diversos parâmetros: para a educação e para a magreza]. Só que eu não confio nessa palavra! Ela vem com uma segunda intenção raivosa. Todas as vezes que ouvi alguma pessoa falando "fineza devolver a caneta", penso que a pessoa está com tanto ódio que se pudesse, pegaria a caneta e [sem fineza alguma] daria um jeito. Ou então: "fineza abaixar a tampa do vaso sanitário". Se isso vier de um bilhete escrito acima do lugar da descarga, saiba que este casamento morreu. Finadíssimo. Primeiro por causa do bilhete, depois por conta do "fineza" que antecede todo o restante... 
Fineza é uma ironia, a pior das ironias, são as [re]veladas. Sim, eu sei que para ser ironia tem que ser metade velada, metade intenção mesmo. Mas o "fineza" traz a ironia de quem planeja horrores! A pessoa pensa "se eu pudesse, pegaria um tacape, uma clave, um rinoceronte e tacava em..." e depois diz, "fineza não bater na porta antes de entrar". E o rinoceronte imaginário aparece sob o olhar do ser raivoso com aquele chifre furando o deseducado que não leu o cartaz e bateu.
Também tem uma outra coisa que me agasta. O fineza tem um habitat, ele não nasce assim de qualquer boca. Não. Ele vem de pessoas com nomes que não se põem em bebês. Nomes como Gertrudes e Sandoval. Clodoaldo e Marisilvânia. Esses nomes são como um terreno propício para o fineza. Eu não consigo imaginar como uma mãe olha para um bebê e diz: Erotildes. Ela está marcando esta criança com um nome que propiciará finezas futuras! Agora não me perguntem qual a lógica do que acabo de dizer, pois não há. Eu só sei que nunca vi uma Sâmia falando "fineza não pisar na grama". Eu sempre ouço o fineza com uma voz imaginária de atendente de guichê: "o próximo!". "Senhor[¬¬], fineza esperar a sua vez!". Olha aí - batata!
O fineza é uma panela de pressão com o pito semi-entupido. Odeio panelas de pressão e em minha casa eu não terei nenhuma! Vou cozinhar aipim em panela de gente normal e mesmo que dure um mês, gaste um botijão de gás, assim será! E se o fineza me lembra a panela é que tem toda a razão. A pessoa está segurando alguma disgrama por dentro. Prendendo uma vontade de xingar e não pode, cozinhando o fígado em banho-maria, sofreando impropérios e só solta um fineza? Oxe... aí tem! Saia de baixo que quando não houver mais fineza alguma, o fineza vai desaparecer para dar lugar a nomes nada delgados!

P.s.: Não case com ninguém que fale fineza.
P.s.2: Você casou? Faça terapia de casal e tente ajudar o seu[sua] companheiro[a] a abrir mais o coração.
P.s.3: Se ele abrir o coração, peça para tirar a pressão antes. A da "panela".
P.s.4: Há "por favores" que têm sentido de "fineza", se a pessoa tiver com a carinha assim "¬¬", fuja.

quinta-feira, 24 de março de 2011

ANTES QUE MARÇO VIRE ABRIL.

Antes que março se vá e nada eu diga, quero que saibam que estou feliz. Sinto-me tranquila com meus 30 anos e não surtei como devia [devia?]. Ganhei presentes. Passei na seleção de estágio que queria, no lugar que queria e com pessoas maravilhosas. Fiz uma festinha aqui em casa, nem todos os que chamei puderam vim, mas os que vieram me trouxeram lágrimas e sorrisos. Minha filha fez 12 anos e está tão bela... e bela naquilo que creio ser o belo. Tenho feito palestras, tenho ouvido o outro, tenho estado tão ocupada que não tenho tempo para poetizar. Com isso não quero dizer que não tenha havido poesia - ao contrário. Justamente nas rimas diárias, nos barulhos da cidade, no fala-fala entre os campus da Universidade Federal da Bahia, onde estudo, é que tenho visto mais poesia. 
Não estou sentindo a falta do tal grande amor e confesso o pecado de estar quase gostando muito de estar assim, porque depois que Edson Celulari e Cláudia Raia se separaram, ando meio duvidosa em estar em par. É chato esse troço de separação. As pessoas perguntam "cadê fulano de tal", a gente sente vontade de dizer "morreu", mas tem que responder "não estamos mais juntos". Como se um dia estivessem - tenho lá minhas dúvidas. E, certamente, dívidas. Mas isso é outro papo.
Se há muito não mais contava minha idade, agora nem me importo de ter feito os tais 30 anos ocidentais. Acho doido não contarem os 9 meses que levamos nadando dentro da mãe. Nem ligam pro fato de que há crianças que nascem de 7 meses e um ano após seu aparecimento no mundo, olha lá você fazendo aniversário. Estranhão! Por que raios não somam estes meses também? Então, quem tem trinta é este meu corpo véio, cheio de marcas, cheio de lembranças escritas em cicatrizes das felizes quedas de bicicleta, com alguma dor de coluna, nos joelhos e enxaqueca. Eu, o eu que vos escreve, não sei a idade que tenho. Tenho milhares, tenho uma galera de anos, o que somo é aprendizado. Tenho um monte de coisas a refazer, a construir, não quero ter mais 15 anos e hoje estranhamente me sinto adulta. Carrego o título de mãe com um orgulho miserável [no bom sentido, aquele que remete ao superlativo], porque eu acho que isso é que me torna uma mulher melhor. Sou mãe pombas! Caramba... eu sou mãe, sacou? Quem não sabe o que é não vai sacar muito bem. Esse lance de ser mãe é muito forte. É mais que pegar o filho no colo, entupir sua barriguinha de comida, dar banho e lavar suas orelhinhas direito, trocar fraldinhas e dar presentes. É você ter estampado na sua frente um ser humano-mini prestes a copiar tudo o que você faz e diz e quando você se dá conta disso, fazer de tudo para ser melhor. Porque, afinal de contas, ser mãe é se preocupar em colocar no mundo uma pessoa bacana e não, simplesmente, parir mais um mamífero comedor de salgadinhos e chocolates. Ser mãe é amar a ponto de dar uma bronca filha da puta em seu filho e correr para o quarto pra chorar depois - mas não por arrependimento. Por isso que digo que sou mãe. E solteira.
Tenho tomado decisões minhas, só minhas e corrido atrás de coisas que a vocês sempre pareceram fáceis, mas para mim eram enigmas. Descobri que vocês conseguem e eu também, então não adianta mais alimentar medo e preguiça. Sou forte e posso sempre mais, mais e mais.
Volto qualquer dia. Eu sempre volto, não a mesma, mas nem tanto diferente.