sexta-feira, 16 de julho de 2010

ARISTARCO NO MEDIASTINO.

Estou com frio, minha pele se arrepia ao toque do vento, sinto a chuva fina e constante no vidro da janela e tremo: como estará lá fora? Aqui, que tem cobertor, café com leite e pantufas, já é tão frio... lá fora deve estar medonho.

O frio e a chuva sempre me deixam melancólica. Fico pensando em coisas que seriam, pessoas que ficariam, ocasiões de quase alguma coisa; nada é exato num dia frio, nem as horas passam como no relógio. Arrasta-se grudada no ponteiro dos segundos como uma gosma, uma lesma, uma corrente de alma penada. Geme e estertora o ponteiro das horas, enquanto me encolho em meu quarto pensativa.

A cidade debaixo do caos molhado, toda chovida! Toda turbilhonada, aguerrida, apressada da vida e molhada... pingando tristezas pelas esquinas, debaixo dos viadutos tremidos de frio. Afogando as barrigas vazias do mundo que fica de fora de minha janela. Uma cidade sem trinco de porta, de paredes de papelão, sem questão de privacidade, sem segredos debaixo de camas que não tem. São segredos ao lado de sapatos rasgados, molhados e chovidos, também. Se minha hora, quando anda, deixa um finco no chão, a da cidade num dia como hoje, demora anos pra amanhecer e cava um Grand Canyon nas esperanças.

Não falo da cidade que é minha. Falo da cidade dos sofridos! Dos meninos e meninas de rua, de esquina, da vida nada fácil. Falo daqueles que não têm um vão debaixo do que improvisam como cama para guardar sapatos que não acessam. Nestes dias, em que a vida fica tão chovida, eu me lembro melancólica das coisas que seriam certas, das pessoas que ficariam felizes e ocasiões de quase plenitude, se mais gente resolvesse fazer da cidade toda, do mundo e da vida, uma extensão do próprio quarto quente. Se eu estou com frio, lá fora deve estar medonho!


{Poupando buscas no google: Aristarco é uma das crateras da Lua}

2 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Aristarco não é somente uma cratera da lua. Antes de ser cratera, foi Aristarco de Samos, astrônomo grego (310 a.C. - 230 a.C.) e o primeiro a propor que a Terra gira em torno do Sol. Por defender essa idéia, foi acusado de impiedade por Cleanto, o Estóico.

Samia, acho que seu texto tem a ver mais com o astrônomo do que com a cratera lunar, porque trata de quem gira em torno do quê.

Aparentemente, alcançamos um grau bem-estar que permitiria distribuir calor e fartura pelo mundo.

Aparentemente, consideramos cada indivíduo como único e, portanto, como alguém com problemas específicos que devem ser tratados na sua especificidade.

Mas, afinal, do que estamos falando? coletividade? individualidade? (in)justiça social? (in)justiça individual?

Por instantes, você pôs o centro em outro lugar (no sol, em vez de na terra): nos da rua, nos sem-teto, nos sem-nada em vez de nos que têm um teto, um cobertor e chá com bolachas.

Ao mudar o centro, o frio, a solidão e a sensação de injutiça ficaram maiores e doeram na alma. A cratera, no espírito, aumentou.

Ao mundo faltam sempre Aristarcos e Samias, que envolvam nossos sentidos e os levem a outros centros. Para que percebamos a dor de não sermos únicos, nem eternos. E para que saibamos que o frio e a desigualdade só serão eternos se quisermos.

Bj saudoso.

Roberto.