quinta-feira, 7 de outubro de 2010

MENINA DOS LAÇOS ROSADOS

Há anos um parque grande tinha chegado em sua cidade, mas ela não tinha tamanho, não tinha idade para usar todos os brinquedos. Nem podia andar no maior e mais brilhante de todos eles: a montanha-russa. Bem que tentou, com seu vestidinho impecável, entrar na fila e comprar ingresso - foi barrada, a pobrezinha. O máximo que havia lhe sobrado de emoção era andar na xícara de chá gigante, que cabia mais duas menininhas como ela. De gigante: nada.
O tempo passado, agora a menina tinha crescido e depois de amargar três anos à espera de andar na montanha-russa,  ela podia ir à desforra. Ela se esbaldaria. Seu vestidinho impecável iria voar, bater na testa, subir pra cabeça e a calcinha ia ser vista pelo parque inteiro. Daí, ao pensar em sua calcinha de babadinhos sendo vista por toda a cercania, ela tremeu de medo. Lembrou-se que durante aquele tempo inteiro tinha se comportado bonitinha, tinha sido uma mocinha, andado na xícara de chá que girava bem perto do chão, tinha engomado o vestido e recebido elogios. Todos passavam e diziam: "linda menina de lacinhos rosa de cetim", "que coisinha mais arrumadinha, nem mostra a calcinha nos brinquedos", "eu queria que minha filhinha fosse assim. Rebeca, por que você não imita a Menina dos Laços Rosados?". Ela se acostumara em ser a referência da xícara, se apegara ao chão, aos laços, ao vestido e ao bumbum bem guardado na calcinha de babados.
Onde, agora, o desejo de voar bem alto? Onde estava o sonho de sentir frio no estômago, ficar tonta e vomitar o algodão-doce? Onde os gritos, medo e gargalhadas? Não era o que a Menina sempre quisera? Agora ela podia, mas o que lhe algemava ao chão? Não tinha mais o moço do guichê lhe negando ingresso. Não tinha mais fita métrica lhe barrando a estatura. Não tinha nem mais vontade de rodar no mesmo lugar e ver a mesma paisagem passando na xícara. Mas tinha as mães das meninas sem laços, de calcinhas à mostra, tinha a referência da xícara de chá, tinha os elogios ao seu bom comportamento no parque [porque ninguém jamais houvera visto sua calcinha; era até um mistério e motivo de apostas: tinha a Menina de Laços Rosados algum suporte para segurar o vestido?].
E mais tinha: que ela precisava escolher entre viver seu sonho de andar no melhor brinquedo do parque ou se embriagar no resto do líquido entorpecente daquela xícara no chão, que de tanto rodar lhe deixara tonta por todos estes anos. Tinha que ela bem sabia que sua maior vontade era arrancar aqueles laços do cabelo, botar a saia na cabeça e mostrar a calcinha para quem no parque quisesse ver. E, na verdade, todos no parque estavam tão contentes em suas escolhas que nem viam a calcinha de ninguém; isso era coisa de mamães insuportáveis que tentavam barrar suas filhas felizes.
Anos mais tarde eu soube: a calcinha dela era azul.

4 comentários:

Cláudia Isabele disse...

Que lindo, Mami!
Se eu puder, inclusive, quero mostrar, rasgar e tirar a calcinha. E que o laço se perca na minha cabeleira!
Porque azul a calcinha?

Sâmia. disse...

A calcinha te pegou, hein? Uma das explicações é que o azul, em nossa sociedade, não é para meninas. Essa era a face subversiva da menina. Tudo bem que ela por fora mantinha a linha, mas coração é terra que ninguém e a calcinha dela ela usava da cor que bem queria.
Foi a surpresa do texto: ela tinha vontades!!! rs

Um cheiro, minha preta!
Sâmia.

Sâmia. disse...

*coração é terra que ninguém vai.
[essa é a frase completa]

Louise Chérie disse...

"Onde, agora, o desejo de voar bem alto? Onde estava o sonho de sentir frio no estômago, ficar tonta e vomitar o algodão-doce? Onde os gritos, medo e gargalhadas? Não era o que a Menina sempre quisera? Agora ela podia, mas o que lhe algemava ao chão?"

É por isso que adoro montanha-russa........ainda tenho coragem de subir em uma? De fato, coração é terra que ninguém vai.....