sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

LÁ VAI ELA - UMA MULHER BOA.

Fiu-fiu!
Liiiiiinda!
huuuuu, show de bola!
Que mulher maravilhosa!
Ê lá em casa...!
Assim começava muitas vezes seu dia. Era isso que ouvia quase sempre quando ia na padaria, quando ia ao supermercado, quando ia pra faculdade, quando ia pro quinto dos infernos. Ia a qualquer canto e sempre ouvia algumas destas pérolas listadas acima. Sempre se incomodava, mas não adiantava xingar, mandar para regiões geográficas sem mapa, mostrar todas as falanges do dedo do meio, tampouco lembrar ao ser humano outras partes da própria anatomia em que ele mesmo poderia tomar. Nada surtia efeito. Ela parou. Mas mesmo assim ainda parava o trânsito a Estela.
Eles tinham certa razão, porque a morena era graciosa. Ou melhor - graciiiiiiiooousa. Assim, arrastando no "i" como um sibilar de cobra e puxando no "o" como o desespero de torcida de futebol quando se perde um gol. Ninguém nunca, aliás, ninguém vírgula, os homens é que não diziam que ela era simplesmente graciosa. Para que eles pudessem dizer isso de Estela, precisavam conhecer outras partes dela que a anatomia escondia. E, francamente, para isso estavam cegos; uns por burrice, outros por preguiça, outros por calhordice - não viam!
Ela tinha um sorriso assim meio de menina, sabe? É uma coisa que vem acompanhada de brilhinho no olho e esperança na voz. Tinha um jeito de chorar vendo filme e rir vendo criança. Gostava de ler livros e escrever poesias. Sabia cantar e tinha religião. Sacrilégio uma mulher daquelas ter uma religião, falar com Deus, orar pelos sofredores e tentar seguir Jesus - era o que pensariam os machos da espécie humana -, mesmo assim era bem verdade isso que acabei de dizer sobre ela. Amava, sim ela amava de uma maneira tão inteira que chega doía, quer dizer, sarava. Assim que ela dizia, porque amor para ela não podia doer de maneira nenhuma, pois aí nem amor seria. Graciosa, sem muitos "is" nem "os", só graciosa mesmo porque sua alma escondia virtudes, mas seu corpo inflamava vícios.
Algum deles já tinha visto Estela de bobes? Algum deles já tinha visto Estela de olheiras? Sem a calça jeans? Com dor de barriga, cólica, dor de cabeça, TPM, fome, mau humor? Mas nada! E o corpo dela deixava? Deixava o que...? Para eles um dínamo de ferormônios. E ela desejava que eles morressem. Imaginava até as mortes e depois pedia perdão a Deus. Eu ria quando ela me contava isso e sempre achei um pecado ela não ser uma X-Man como Jean Grey, virar uma Fênix poderosa e dar fim naqueles retardados. Tinha que viver com isso, né?
Depois de um tempo ela percebeu que era uma mulher bem especial. Nunca odiou ser bonita, mas sempre podia escolher estar ao lado de quem a visse. Escolher mesmo, na vera, nem podia muito, porque poucos tinham dos que lhe podiam ver. Sabia da existência destes admiradores de alambrado, os que ficavam por detrás da grade, gritando, torcendo, suando a camisa de vontade, mas jamais tinham tarimba para entrar em campo. E ela era um clássico, um BA-VI para eles. Mas para aquele que conseguiu ver Estela naquele dia, ela foi ela mesma. Ele era um típico ninguém: não bonito, não feio, não alto, não baixo, não rico, não pobre, não inteligente, não burro. Meio em tudo. Perfeito! Companheiro, amigo, enxergava bem, lhe dava ombro, segurança, nenhum fiu-fiu, mas a via linda: de bobes, de calça jeans, de calcinha de algodão, de vestido preto indefectível, falando em Jesus, lendo seus livros, falando... ela mesma.
Arrebatada a nossa estrela, nunca mais soube dela. Deve ter ido para o céu. Não... não morreu não. Está feliz. Na terra de cegos, quem tem Estela é rei; aos outros só resta pensar "ê lá em casa", aos que nunca a viram, só lamento. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Sâmia,

Bom voltar a ler seu blog e (des)encontrar Estela. Estela deveria voltar da terra dos cegos e ir ao cinema para ver "O Concerto". Um filme que está em cartaz no circuito Sala de Arte. Se puder, veja. Estela riria, choraria e saberia que os homens, machos ou fêmeas, sabem que beleza, perfeição e divindade estão, também, na música estelar.

Beijos musicais.

Roberto.