sexta-feira, 16 de abril de 2010

NEO-LÓGICO.


Não era bem assim, tão livre, esta história de se comunicar. Não se podia chegar falando como se queria sem um posto certo de onde ecoar a própria voz.
Este carinha começou a vida da fala com este constrangimento das formas:

- Não se diz "dezôitomo"; diz-se décimo oitavo!
- Mas...
- Sem mais! É assim que se diz!

O mundo começou a parecer uma caixa de ovos. Palavras que lhe vinham não eram chocadas, não nasciam e pouco alimentavam os sentidos da alma. Ficavam estas em grades e de lá não saíam para servirem exatamente ao que ele queria tanto dizer.

Pior, o pior de tudo é que lhe entendiam, sabiam muito bem o que ele queria falar. Nem se faziam de desentendidos, queriam mesmo lhe submeter. E ele ia, infeliz, mas ia.

Um dia, sem que soubesse de onde, surgiu a porta que ele abriu com gosto: descobriu o neologismo. Passou, o carinha, a neologizar. Como um ser interseccial caminhava na vida como quem flerta com todos os sentidos. Arrancou a roupa das palavras e exibiu o fundo da fôrma. Primeiro a vida, que era uma mulher árabe sofrendo de dor, passou a voazizar como uma fada. Mas ele ainda sofria...

O que lhe prendia eram as folhas dos cadernos, os bancos da universidade, o score no fim do semestre. Ele tinha resolvido estudar até onde o degrau da fôrma lhe podia levar. Pisando em ovos ele conseguiu, ao longo de suas pisadas, juntar as palhas de palavras e formar a trama fotografada pelo dicionário. Vencido, resolveu se algemar e se prender naquela cadeia que a moça da escola/carcereira lhe impunha - conseguiu um título, se doutorizou.

Contrabandeando os sentidos, ele neologizava sua alma, tendo nas mãos um título de posse do saber. Foi só quando ele se prendeu no barco da academia que o mar das palavras foi seu e todos aplaudiam seu navegar. Ele nunca quis isso, oras! Só queria, desde sempre, se jogar nu ao mar!

[as palavras têm um gosto tão imposto, tanto vejo seu rosto, mas e seu saber? de onde vem tanta importância que se dá desde criança à mera dança de se escrever? meu silêncio é que conversa [e ele não interessa] mas só com as palavras que eu posso me expressar; ser entendido é um luxo, com palavras pelo bucho - preciso regurgitar!]
Sâmia.

2 comentários:

Nena disse...

ê angústia.
seja bem-vinda!

Felipe Lobo dos Santos disse...

Você não escreveu nenhum texto no café pra relaxar...