segunda-feira, 21 de novembro de 2011

"EU ABRO A PORTA PARA ESTRANHOS"*

Eu sou pisciana e nem me peçam para gostar dos certos. Eu quero os loucos, os varridos, os banidos. Amo os excêntricos, os anormais, os jogados fora, os doentes. Os sãos não são sós. Há montes deles por aí e eu quero catar os perdidos. Gosto dos abalizados, extraviados, lunáticos - pinçá-los no calabouço da normalidade. 

Sou das águas, sou bruxa e morro queimada, mas não deixo de seguir minha intuição. Sinto o cheiro dos feridos e me porto como abrigo pra curar a podridão. Não temo os leprosos, oro pelos criminosos e creio que todos tem perdão. A mesmice me incomoda e eu não quero morar com o espelho, pois é inequívoco erro achar que amparo é para os bons. Amparo é para os caídos, é pra quem se encontra sem abrigo, sem luz, sem chão! Por isso que busco os tortos - os quebrados pelo mundo - o remédio é para o imundo que no mundo perdeu-se em dor, no mar dos preconceitos e afogou-se como suspeito de ter sido pecador.

Se há algo que me chama a atenção é ver um cabelo colorido, e por trás de um corpo florido, tatuado e multicor, que gente é bicho esquisito e basta o outro mudar de apito que já é índio de outro andor. Cor, cocá, colar, toga, batina, saia, piercing, biquine, sarongue, tafetá é só um jeito de mudar a mesma apresentação.  

Sou pisciana e me meto no mundo, mas prefiro os que ficam de lado e deixo aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos-sãos.

*[trecho da música "Tudo pela metade" de Marisa Monte]

3 comentários:

Guilherme Dourado disse...

Poxa... nem precisa comentário, minha bruxa predileta!!! FANTÁSTICO!

Cláudia Isabele disse...

Visceral. Um alento.
Seu texto me faz reafirmar o que acho sobre certas produções humanas:
"(...)É a Palavra em seu Verbo Amante fazendo-se ecoar, porque a razão primordial de toda Sua Palavra, para mim, é o amor."

Cláudia Isabele disse...

Você sabe o quanto taurinas curtem estar certas e eu analisei-te bem:

"Veste-se de pelagem serena e viva para lamber a cria e este dever respira mesmo quando em longínquas terras, onde o chão não lhe é próprio, de onde a prole não lhe irrompeu, por afeto e alma, se entrega cálida a amorosa vigilância."

Mas tambei hei de ver minhas profecias realizarem-se:

"Corre, querendo-se sempre livre, porque correr ensina aos filhos, porque correr é de suas pernas, porque ama de alma ir de quadril ritmado, de flanco guerreiro de encontro à liberdade, eterna"

Porque correr ensina aos filhos...
Corre, Sâmia.