domingo, 20 de fevereiro de 2011

SEREIA - ILUDIDA EM SEU CANTO

Se eu desse aquele mergulho, poderia até não ser fatal. Eu não cairia de cabeça, porque já não consigo mais – talvez. Mas eu levaria muito tempo para voltar à margem ou mesmo voltar à tona. Não teria encantamento que me libertasse do peso que recairia em meu cérebro de peixe. Não teria toco em que me agarrasse no meio da correnteza, cuja deriva evitasse-me a precipitação da cachoeira de arrependimento. Seria vão lembrar minha natureza mágica – certos feitiços viram-se contra quem os conjura.
Não consigo ver além. Não me imagino por mais de duas semanas nadando neste mesmo rio. Talvez por medo de que esteja sendo vista como uma sereia, medo que meu canto seja belo porque está longe e que de perto eu seja mais um peixe nesta rede. Não é o velho e bom medo de sofrer. O que sinto é diferente; é quase uma certeza de que quando a lenda for fato, será lançada às páginas do jornal de ontem, tão vivo, tão real e pretérito imperfeito.
Aquele pescador não pesca em águas profundas, não sabe nadar em mares bravios e eu seria a Iara sentada na pedra – enquanto continuasse sentada na pedra. Que eu me lançasse nestas águas – num instante viraria lenda.
A sensação de ser história bonita, a ser contada a meia dúzia de outros pescadores, não me abandona. Reforça-me a certeza de que eu sempre serei lenda aos olhos cansados dos que navegam entre miragens. Reforça-me o medo de que certos olhares jamais se sustentem a ponto de desfazer a ilusão de que sou intocável.
Talvez eu mereça esse exílio junto ao saci-pererê, junto ao lobisomem, mula-sem-cabeça, caipora...  Tem gente que jura que já viu, mas ninguém crê. Tem gente que até crê, mas não quer ver nem pintado de ouro. Ô sina! Deixa eu voltar para minha pedra.

4 comentários:

Cláudia Isabele disse...

Uma das coisas mais lindas que você já escreveu.

Apaixonante.

*_*

flores ao caminhar... disse...

Encantador... muito bom mesmo!

Cláudia Isabele disse...

Não me canso de ler e reler e ler de novo...

Tragaram-me suas palavras.
Como canto das sereias aos pescadores.

Ai!

Sâmia. disse...

Claude,

E você acha que não faço isso com seus textos? A poesia que você fez, eu li e reli e sempre vou lá para ler os outros todos... fico ali bebendo da sua inspiração e não raras vezes me inspiro também a escrever alguma coisa.

Se meu livro sair e o prefácio sendo seu, não será surpresa para ninguém! rs

Um cheiro!!!