terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

EX-CREVO


Escrever, para mim, é uma experiência plástica. Na verdade não escrevo - as imagens mergulham nas letras. Eu escrevo o que vivo, como a gotinha d'água na curvinha do umbigo. Eu falo como a água que está em todo canto, que vem de minha vontade firme de estar em todas as coisas. E tem hora que a palavra poca, porque palavra é pouca pra falar de festa e então invento outra que cai como uma louca, traduzindo tudo que me vem na testa.

Escrever exige de mim saliva. Preciso estar com a boca cheia d'água por algo, alguém, qualquer coisa. É uma vontade bruta de me melar de vento, enxergar um presente numa encruzilhada e pensar que os caminhos são braços de fita e que qualquer criança boba os transforma em laço, desfazendo passos que desacreditam.

Não é fácil riscar o branco. É preciso adestramento pra segurar a mula, que coiceia minha mente como uma ama doida, escrevendo as vontades que me vem à boca. Não que meça tudo, eu bem sei que minha maneira é escrever em jatos, não limito as frases pra que caibam na folha, nem convido a régua pra servir de bolha, constrangendo o desalinhos das palavras todas. E mesmo assim, toda essa paixão encontra ao pé da porta um pai severo, que me lembra a todo instante o passar das horas, o entrar sem o namorado, dormir cedo, falar baixo e fininho, fazer as tarefas, porque nem tudo deve ser dito - ai, o dicionário!

As palavras, em mim, precisam deste brigar sem fim, precisam saber que para casar com a folha, dependem mais de uma rolha, que de um arquiteto. Elas não podem se enquadrar, devem sair pelas bordas como água que escapa, mas não querem a torneira como um esfíncter velho, elas querem brincar de pique-esconde, que começa no cantinho que se abafa um berro.

2 comentários:

Cláudia Isabele disse...

Gostoso. Samesco. Visceral.
Ele parece pintar você nas paredes da nossa imaginação, parindo palavras.

Marigil Vieira disse...

E sabe que minha boca encheu de água pela sua escrita!!! Também me sinto um pouco assim quando escrevo, mesmo que os meus textos nem melem os seus...