domingo, 17 de abril de 2011

PASSAGEM

Caminhando por muito tempo dentro do próprio coração, com os pés sangrando de descobrir sensações guardadas. De quando criança, de adolescente, de quando me olhei no espelho e me vi gente pela primeira vez, lembranças de mulher há tão pouco tempo mulher... 
Recordo-me que fiz um caminho cheio de tapetes e ácaros, segredos e espelhos, máscaras e sorrisos; e num tempo, num momento, em alguns segundos me entrego ao fato de que tudo sou eu. Não há outras de mim que não sejam minhas. Sou todas eu. Sem alicates e pés-de-cabra, saem algumas delas num momento de distração e, nem tanto por saber compreendê-las, elas vêem pedindo passagem, rasgando véus, pulando muretas, ruindo as muralhas e me olham no fundo dos olhos. Dizem-me: "voltei" - uma a uma. E como crianças bravias, indisciplinadas, raivosas, me cobram ser corajosa com elas todas.
Num tempo eu não sabia o que delas dispor, poderia, como sempre, mandá-las para as portas do país mentira, mas elas viriam cobrando respostas mais densas e eu as exilaria no país falsidade e elas retornariam chorando à pátria coração e eu ficaria cega de mim mesma. Mas hoje, mas agora, eu resolvi que não há mais a perder. Os edifícios deixaram de arranhar os céus, não é mais tempo de perder o chão e criar despenhadeiros onde enterrar a verdade. A verdade é que não há uma mulher de mentira, uma menina dos sonhos, uma perfeita idiota que agrada o público sendo a palhaça chorona. A verdade é que eu não preciso mentir sobre as mulheres que habitaram em mim, porque elas é que são personagens mortos e eu vivo no silêncio do hoje.
Não existem poças de lágrimas, porque não há quem chore a ponto de afogar mágoas. Ninguém precisa de uma metáfora para sofrer - todos sofrem no limiar do que é humano. Não existe morrer de rir - a cara passa a doer depois que o picadeiro fica vazio. E meu colo é seletivo - dormem sonos que convido.
Abandono a perfeição agora, a perfeição cenográfica; aquela que não se improvisa - se ensaia todos os dias. Abandono uma fantasia e fico vestida de minha pele. Sambo um samba sem cadência, calço sapatos sem aderência e escorrego no meio-fio da passarela. Agora é sem desfile, sem flashs. 
Saio de cena: entro na vida.

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