segunda-feira, 11 de abril de 2011

GABRIÉIS


Eles querem comer. Eles pedem comida e esperam sem saber se virá. Eles têm pai e mãe. E têm fome: comida, brinquedos, sonhos, futuro. Pequenos meninos de frente pro mundo, ainda usam fraldinhas e dependem dos outros para tudo. Um é negro e pobre, o outro é branco e veste algo mais além da fralda. O negro eu vi de dia, o branco eu vi de noite. Um estava em minha porta nos braços do pai. O outro numa lanchonete nas mãos da mãe.

Quando um dos Gabriéis chegou até a mim, eu quis chorar; do outro eu quis sorrir, mas sorri para os dois, porque nenhum Gabrielzinho neste mundo sabe entender lágrimas de um adulto rasgado de impotência, nem deveria lidar com a dor tão cedo que a tenha como linguagem para o resto de sua vida. A mãe do Gabriel, que só portava fraldas como roupa, estava com queimaduras a tatuar seu corpo; a mãe do Gabriel, que estava com roupinha de homenzinho, tinha uma pequena tatuagem colorida no punho. Uma delas sorria do seu rebento, a outra o suportava e o usava para pedir comida. Ambas mães como podiam.

Quando Gabriel sem roupas me viu chegar com um pacote de biscoito de chocolate, deu tantos pulos, me mostrando a alegria de quem vivia um banquete; mas Gabriel que tinha todos os olhares para ele, nem ligava pra comida - pressentia que não lhe faltaria.

Eu soube pela mãe do Gabriel que Gabriel também dormia com ela na rua; o outro eu adivinharia berço de ouro, sono tranquilo e velado por um teto, aquecido com olhares familiares. O outro tinha os olhos do mundo a ignorar seu sorriso, mundo que vela por si mesmo e não vê o ressonar de um tipo de Gabriel.

Não é fácil ver a vida em preto e branco e embora eles sejam Gabriéis, para as marcas de fraldas, que ambos usavam, só existia um deles: o que não precisava se esconder durante a noite, aquele a quem o escuro jamais será um grande perigo e que até pode estampar a ilustração de suas embalagens. Não foi nada fácil ressentir destinos tão distintos para dois Gabriéis que só queriam comer, que têm mãe e pai e nome igual.

Eu vi naqueles olhinhos de crianças com fome as fomes plurais dos Gabriéis do mundo. Desejo jamais esquecer, porém, que o mundo mata as fomes de seus Gabriéis com pães diferentes. Um, de noite, pode ser visto; o outro deve se esconder. Por isso que seus caminhos, talvez, nunca se encontrem. Um nasceu para o pão, o outro para a porta.

2 comentários:

Cláudia Isabele disse...

Dá vontade de chorar.
Chorar e não parir.
Ou parir e chorar, chorar, chorar, chorar, toda vez que eu ler essas coisas.


Me dilacerou.

flores ao caminhar... disse...

Puts!! dá vontade de chorar sim e de nunca esquecer, nem por um segundo que isso não é natural, não é normal, que não devemos nos conformar! como sempre, vc é alma em tudo q vive e escreve.