“É difícil de acreditar, mas uma sobrevivente de
estupro de 15 anos de idade, nas Maldivas, foi sentenciada a 100 chicotadas em
público!”
Não,
eu não acho difícil de acreditar e lamento infinitamente por isso. Lamento por
tudo. Lamento por não achar difícil crer que algo assim aconteça, lamento por
isso acontecer, lamento por esse mundo. E eu não queria só lamentar. Eu queria
fazer mais.
A
carne desta menina de 15 anos vai se abrir em feridas sangrentas por ela ter
sido vítima de estupro. A cultura que permite isso nos choca sobremaneira e nos
revoltamos, nos indignamos com esse ato, com essa dor infame por cima da outra
dor que ela já sofreu com o estupro. Pensamos no absurdo de uma ação deste tipo
e se pudéssemos iríamos lá resgatá-la, arrancá-la dos braços institucionais de
seus algozes. Pobre menina...! Essa criança teve o azar de ver sobre si o peso
dos 50% de chance de ter nascido mulher. A probabilidade, embora aponte para a
justa divisão de metade e metade, nós sabemos (e fingimos não saber) que os 50%
de chance de nascer uma mulher é perder um jogo. Um jogo que já nasce perdido no mundo
todo, mas de maneira diferente.
Você
se choca com as chibatadas, mas não se choca ao ver alguém desejar nunca ter
uma filha. Você se choca com o sangue escorrendo no corpo desta jovem, mas não
se choca ao ver que os estupradores da New Hit estão soltos. Você se choca com
o couro da vítima arrancado, mas não se choca com as justificativas do tipo: “eu
sou homem, eu posso e você não!”. Você se choca ao saber que ela tem 15 anos,
foi estuprada, vai apanhar feio por isso, mas diz que uma menina adolescente é
uma vadia quando perde a virgindade.
Isso
só quer dizer que todas nós merecemos apanhar. E é isso que acontece todos os
dias: nossa alma é sangrada pelo machismo. O açoite e as vergastadas que ela
possivelmente receberá vai ferir a carne de todas nós. E, na verdade, essas 100
chibatadas serão o símbolo doloroso do que é ser mulher. Porque ser mulher é
ser sexy por ser inteligente (atributo natural do ser humano que numa mulher
vira um adereço, para alguns, atrativo). Porque ser mulher é viver de pernas
cruzadas, não subir em árvores, não falar alto, não falar palavrão, não saber
dirigir bem, não gostar de futebol, não saber sobre política, não construir
prédios, não reclamar dos elogios do pedreiro, não usar a roupa que quer. Somos
os 50% que vivem sob a avalanche de “nãos”. Violência contínua e que se
expressa no mundo todo. Há chicotadas que doem nas carnes de todas as cores e
culturas das mulheres deste mundo.
E
tem mais: a gente só acha belo uma mulher quebrar os padrões enquanto lê um
livro de história ou vê uma novela anacrônica da Globo, cuja personagem Laura
se divorcia, escreve artigos para um jornal, luta por causas coletivas e é
feliz no final tendo um homem-parceiro que lhe entrega o prêmio por ser quem
ela é. Ficção. Ou ter uma Isabel que engravidou de um senhorzinho de escravo
(que a ludibriou, mas claro, ela era uma vadia por ter sido enganada), foi para
Europa, virou dançarina, voltou rica e foi aceita pelo ex-noivo que (pasmem)
assumiu seu filho. Fic-ção!
E,
para mim, a preferência é o lamento. Porque acho pouco escrever este texto para
ser julgada, questionada e confrontada mais tarde. Preço baixo perto do que
tantas outras mulheres vem pagando. Quase uma liquidação, quase nada, só mais
um lamento.
Um comentário:
As sociedades precisam, ainda, evoluir muito (nao para igualar homens e mulheres), pois cada sexo tem as suas particularidades e jeitos de ser. Mas, evoluir para respeitar as diferenças. O homem nao é melhor do que a mulher, nem o contrário. Cada um tem a sua natureza e um complementa o outro em suas existências. Nao deixando de lado os que se envolvem afetivamente com mesmo sexo. Isso já é outra questao. Nesse caso estamos tratando de respeito ao gênero, ao ser humano. Reitero suas palavras e acrescento que, nossa evolucao está no respeituo mútuo para crescermos juntos, ajudando uns aos outros, seja no que for...
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