terça-feira, 20 de outubro de 2009

PRESSUPOSTOS


Vivemos num mundo de explicações. Por mais sejamos claros, sempre haverá uma situação em que precisaremos dizer o que "estamos querendo dizer" com o que dissemos. Complicou, não? É simples de entender, até porque eu tenho certeza que qualquer pessoa, que já possa ser chamado de algo mais que um "pingo-de-gente", já passou por isso. Falamos algo, achamos que foi verdadeiro e alguém nos pergunta: "o que você quis dizer com isso?". Eu não quis dizer, eu disse! Mas parece que não foi suficiente...

Claro que sabemos haver ruídos na comunicação de vez em quando [estou sendo otimista com o "de vez em quando] e que por isso o emissor de uma mensagem e o receptor dela nem sempre se entendam. Há diferencial de cultura, língua, conhecimento, entonação e outras coisas mais. Porém há uma outra coisa que eu creio atrapalhar e MUITO sermos entendidos e compreendermos o outro: o pressuposto. O que seria isso?

É assim: alguém me diz algo, eu ouço, mas atribuo ao que ele me disse uma intenção por detrás. Ao final de tudo, atrelo um valor determinante à pseudo-intenção que o outro possuía. Acontece isso frequentemente num diálogo [se assim se pode chamar] em que alguém diz: "eu já sei o que você vai me dizer". Quantas vezes ouvimos ou dissemos isso??? Já temos uma suposição pronta sobre o discurso do outro. Não o ouvimos de verdade, ouvimos somente nossa pretensa voz interior dizendo: "eu já sei o que ele vai me dizer".

Isso acontece em parte por uma eterna preguiça de gastarmos tempo e preocupação em conhecer as pessoas. Talvez por pura incapacidade humana mesmo [de ser imperfeito e não conhecer profundamente um punhado de coisas e pessoas], nós traçamos perfis prévios - construídos por repetição e comprovação - e tentamos encaixar os outros dentro deles. Se alguém diz algo ou se comporta de determinada maneira, então colocamos ele na prateleira de tal tipo de gente. Seria até prático se não tivesse grande possibilidade de erro. Mas... não é o que fazemos? Enquadramos, prejulgamos, entitulamos e nos recusamos a dar uma nova chance, nova leitura, segundas e terceiras impressões, pois a primeira impressão é o que fica.

Então, aquela pessoa disse alguma coisa, mas a leitura prévia que eu fiz dela me diz que, na verdade, ela quis dizer algo bem diferente. Não é o que ela disse, mas "o que eu acho que ela quis dizer" que vai me fazer ficar seguro. Ops! Falei algo novo: segurança. Fazemos estas coisas todas, tomamos todas estas medidas para nos mantermos seguros, para não sermos enganados. E no final nos enganamos. Criamos medidas que nos enganarão a respeito do outro e é melhor eu me enganar do que permitir que outra pessoa me engane, não é? Trocamos seis por meia dúzia.

Aconteceu comigo num dia destes, alguém me apresentou uma tarefa que eu tinha que fazer. Ela achava que eu estava à frente de um trabalho e por possuir supostamente tal "cargo" oficialmente, precisaria desempenhar algumas tarefas. Acontece que eu estava de fato à frente de tal trabalho, mas não oficialmente. O meu nome, por regra, não deveria estar como comandante de nada, mesmo que eu de fato esteja comandando algo. Daí eu disse que aceitava fazer a tal tarefa, mas expliquei de antemão que oficialmente era outra pessoa quem deveria ter seu nome descrito ali. Mas antes que eu terminasse de explicar, ouvi uma enxurrada de frases que continham justificativas para alguém que estivesse se escusando de trabalhar - no caso, eu -; desisti de ser entendida e aceitei o trabalho. Eu sabia que se fosse explicar mais, aumentaria as chances dela não só achar que eu não queria assumir tal responsabilidade, mas ter CERTEZA de que eu não queria. Mesmo que eu quisesse. Que complicação, não? Tão complicada quanto este período que acabei de redigir! E vejam só a quantidade de palavras, conjunções explicativas e outros conectivos que precisei usar para deixar, com o máximo de clareza, a minha mensagem. Isso porque eu pressupus que alguns de vocês não iriam entender se eu explicasse superficialmente o que eu quero, de fato, dizer. Uffff...

Duvidar de todos até que eles nos provem o contrário não é uma medida de segurança, mas uma forma segura de não conhecer ninguém, de não estabelecer vínculos verdadeiros, de não aprender mais sobre si e sobre o outro. Com nossa mania de segurança, de impedimento de sofrimento, usamos nossos pressupostos e até ferimos o outro com o que achamos que ele verdadeiramente é. Por detrás da acusação implícita de que o outro mente quando expressa algo e sente outra coisa, está um ser que faz exatamente isso; esse comportamento evidencia que nós estamos escondidos também sob a couraça do fingir que se está entendendo. E alguém precisa tomar o passo em direção à clareza, então que sejamos nós a apertar os laços com a autenticidade. Dizer sim quando se quer dizer sim e o mesmo no caso do "não". Sermos fiéis a nós mesmos para que sejamos leais com o outro. E mesmo que alguém suponha que não fomos sinceros, sem mais explicações podemos nos contentar com a consciência tranquila de que dissemos somente a verdade sem a pretensão de que seremos sempre compreendidos.

3 comentários:

Marcelo disse...

Saminha, minha querida amiga,

Adorei o texto (gostei mesmo!).

A causa de confusão (quando não é surdez ou sujeira no ouvido) pode ser atribuída a algumas de suas (boas) características que nós (meros mortais) temos de nos adaptar:
- Seu rico vocabulário (as vezes eu tenho de buscar no fundo o sentido de uma frase sua porque uma ou outra palavra eu não entendi);
- Sua extrema rapidez de raciocínio (sou um Rubinho Barrichelo perto de você... rsrsrs);
- Sua inteligência num nível difícil de acompanhar.

Abaixa um pouquinho seu nível (no bom sentido, tá? rsrs) para ficar nivelada com seus amigos.

Conversar com você (mesmo que sejam besteiras)sempre é interessante pelas características que citei acima além de várias outras.


Beijão,
Marcelo

Sâmia Siso disse...

Pôxa... nesse você caprichou, viu? Tô aqui meio boba, muito feliz e com medo de, às vezes, estar falando grego! rs Eu sei que minha ânsia de fundir um conceito numa palavra, muitas vezes, torna meu discurso truncado. Mas sabe o que pode ser? Eu falo rápido demais, queria falar tudo de uma vez, às vezes gaguejo até e uma forma de evitar tudo isso é casando tudo num termo só! :D Os pensamentos voam como andorinhas atrasadas para a última chamada do verão. rs

Fiquei muito feliz com o que você me escreveu de presente e vou tentar ser menos complicadinha, tá? rs

Te adoro!!!

Marcelo disse...

Não!

Não tente arranjar desculpas. Não é porque você fala rápido (eu já tive um chefe Chileno que fala no mínimo umas três vezes mais rápido que você e eu entendia muito bem).

Quando você escreve é do mesmo jeito.

Seu nível realmente é bem alto e você imagina que todo mundo é igual (será que é porque você não sabe ou ignora seu potencial?).

Adoro você também!

Beijão.